quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Textos apócrifos

Por causa de um segundo, eu vi.
Vi o ônibus batendo na puxadora de carroça. Vi que ele dobrou a esquina da Av. 1º de Abril com a Av. Desolação.
Vi que o nome dela era Esmeralda. Tão linda e tão bruta, não aceitava sua nova condição de esperar sentada. Os dedos de Esmeralda eram fortes demais, mas até sua preciosidade tinha limites... Ali jazia sua carroça inválida, seu intransporte, com o pão-lixo de cada dia, esmolai hoje.
Vi o apóstolo Marcos, por ocasião da trama, fazendo as vezes de marido, prometer ao céu e ao inferno - ó temporada de caça - qual deles levaria para sempre sua alma em troca de vingança. Vi seus olhos áridos, escorrerem sumo de dor, que em todo sertão há. Vi-lhe vendo-a, e a vi vacilar sobre o chão, uma tontura.

Por causa de um segundo eu vi.
Vi um homem, quase samaritano, avisar a todos o triste desastre. Vi-o chamar os para-médicos, evadindo-se em seguida, sem ver os capítulos finais. Ganhará dois trocados no bingo dos Céus. Vi também o guarda, que também me viu. Que a tudo viu! Mas como era seu dever, nada fez. Enquanto isso eu não via os olhos verde-esmeralda tornarem-se cinza-asfalto. Porque assim é a Palavra: "Do Asfalto vieste, ao asfalto retornarás".

Por causa de um segundo um c(M)atador de caranguejos não viu toda a cena. Pois do alto de sua ponte, ele brincava também de Deus. Mas era um deus que só ele conhecia. Um deus que ri da dança sem patas dos esmeraldos-marinhos, moribundos. O c(M)atador não viu porque não quis ver. Aquela realidade estava fora de seu controle divino. E então dessa brincadeira ele não queria brincar.

Além disso, ainda passavam e agora passam, carros, ônibus, Esmeraldas e c(M)atadores naquela esquina e em outras. E por causa de um segundo qualquer, eles não perdem O Tempo olhando-se.

Palavra da Perdição... Graças, Ateus.

8 comentários:

Kyara disse...

teste de postagem de comentário
êÊêêêêêÊ... conseguiiii !!!

Unknown disse...

Sem palavras... Bom, talvez uma: Ailton, você me surpreende a cada dia. Eita, foi mais de uma... KKKKKK.

PS.: Parabéns, Kyara! Hihih!

polly disse...

Teu ritmo é muito bacana.
Gostei muito.

manu moema disse...

pra começar, tive que pegar o dicionário! "Apócrifo"

Concordo com Polly sobre o ritmo, é bom. É fluido.

E, como sempre, você sabe escolher temas intrigantes e interessantes que causam curiosodade logo no início. Além de usar analogias bonitas... Bingo pra você!

Ainda mais, achei fantástica a "descrição" (descrição?) do fato. Não sei se é isso que quero dizer, calma.. é uma coisa de ilustrar - as pessoas e suas condições, as posturas. É isso.

Gosto da forma que ilustrou os descasos, esse tempo da cidade das pessoas das coisas, no qual um sopro de vida parece nada.

gostei muito desse.

manu moema disse...

Ilton, responde os come´tarios, é legal.

vai ser bom saber sua ótica dos comentário feitos.

:)

Motorista do Universo disse...

Pô moema, sempre me ajudando... realmente eu queria comentar, mas num sabia como... que besteira, neh? eh soh escrever aqui mesmo! =P

Motorista do Universo disse...

comentando: gente eu acho que esse texto foi o mais feliz dos que cá estão. Muito me angustia o fato de escrever somente "coisas engraçadas". Esse não é meu objetivo. Adoro todas essas "coisas engraçadas", mas também gosto de coisas mais profundas, e quando li esse daí me senti bem. Não quero dizer que foi fuderoso, tenho noção da realidade, só isso. e acho que o ritmo foi o que mais eu tentei explorar... não, acho que foram as imagens mesmo! é isso.

Motorista do Universo disse...

outra coisa: muito me encante essa brincadeira com a biblia e a religiosidade. Por mim escreveria uma biblia inteira!!!
hahaha