quinta-feira, 26 de março de 2009

(Exercício Dramatúrgico I) "Pelo Amor de Deus"

Ela - Eu não posso fazer o que você me pede...

Bode - Você se nega?

Ela - Apenas não posso.

(Som de sino agudo. Pouca Luz.)

Bode - Sabe mesmo o que posso fazer com seu amante por conta disso, não sabe?

Ela - Imagino. Mas inevitavelmente corro o risco. Ordens são ordens.

(Pássaros voando. Som de corenteza. Barulho de vento nas árvores.)

Bode - Dama, toda a humanidade será castigada, você não vê?!

Ela - Mas assim me foi dada A Palavra, meu senhor. Não sou digna de fazer o que me foi proibido por Ele.

Bode - Pois então veja o futuro opaco do teu companheiro...

(sons da natureza superpostos de forma caótica. Luz intensa em todas as direções. ...Passagem de tempo.)

Ela [entre lágrimas] - Adão, come.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Por traz da cabeça do Criador Ou A invenção dos Sinais

Existe uma lei universal que diz que: "Atrás de um CDU/Várzea lotado, virá um CDU/Várzea vazio". Pronto. Só isso. Não há mais complementos. É uma sentença simples e eficaz. Criada por Deus, no auge de sua sapiência e estresse pós-traumático, com a invenção da 'portabilidade', O Criador subiu a encosta mais íngreme do mundo, o Morro da Conceição, e decidiu elaborar essa lei, imutável. O motivo pelo qual Ele decidiu assim fazê-lo permanece obscuro. O que importa é justamente o fato de, por ser uma lei divina, os homens não conseguirem entenderem-na facilmente. E olha que nem é preciso se doutrinar num mosteiro no sul do Tibet para entender isso (até porque os sul-tibetanos não se preocupam tanto com a contingência dos ônibus da 'CRT'), o que é preciso é ter paciência para, numa tarde ensolarada, perceber os sinais.
Rua Benfica, 14h30min. Sentido subúrbio. Todos os raios solares existentes confluíam para aquela parada de ônibus. Todos. Há relatos de frio congelante em outros pontos do hemisfério sul nesse mesmo horário. Há exatos 32min não passava nenhum 'CDU/Várzea' por ali. Outros ônibus? Sim, passavam aos montes, em fila, praticamente. Mas o CDU/Várzea, jamais. Chegou a passar por engano um ônibus da linha 'João Pessoa/Natal'. Duas vezes. O calor era tamanho, que a gota de suor entrava no ponto de ebulição e se esvaia ainda na saída dos poros. Foi quando Deus, em sua infinita arrogância, mandou o primeiro sinal, tão metaforicamente implícito, que nem Drummond entenderia:
Vindas do céu caíram repentinamente duas gotas de água seguidas por uma pomba já morta. Aquilo certamente significaria algo, mas astróloga ou vidente no mundo seria capaz de decifrar. Então Jeová - para brincar com a Sua quantidade de pseudônimos, esse inseguro -, que perdera também a paciência ao terminar a última praia de Maria Farinha, mandou um sinal mais intenso: uma nota de dois reais no chão, à sombra do poste.

(Intermission)
"Ó, irmãos, demos glórias aos céus! Glóória! Porque Aquele que nos olha do alto da mais alta nuvem, é capaz de perceber o seu verdadeiro filho, quando lhe caem as forças. E mandará os anjos segurarem-no, e mandará o vento carregá-lo, ó irmãos... E foi Este Senhor - glória a Deus - que mandou-me naquele momento de flagelo, um sinal santo... Jó sofreu todos os flagelos, e na última hora, mandou-lhe O Senhor tudo o que ele precisava. Jó padeceu perante as más influências daquele que anda com rabo envergado no oco do galho seco. Mas Deus é mais forte, ó irmãos, e salvou Jó de todo mal, amém. E da mesma forma fez Deus, irmãos, naquela tarde onde o inimigo de olhos amarelos e pés tortos elevou sua morada e trouxe o calor dos fundos do submundo, irmãos. Mas Deus disse: 'Filho, não temas. Eu não te abandonarei'. E foi naquele momento irmãos, que eu entendi o sentido da vida! ...Eu aceitei o que era de César?! Nãão! Ali, estava estampada a face do Senhor. A face do Senhor que só eu(!) podia ver... E foi assim, irmãos, que eu sobrevivi!"

E foi a partir de uma saída estratégica para comprar uma lata de coca-cola que tudo aconteceu: passou um 'CDU/Várzea' como tanto era esperado. O ônibus mais desejado do Cais de Santa Rita à Boca do Mathias (UR-7) passava ali, naquele momento. Tão desejado (e único) que era, que levava o suficiente para povoar a Groenlândia inteira. Facilmente calculável, quem olhasse perceberia que havia pelo menos duas pessoas por assento, fora os colos dos amigos e desconhecidos. E, se brincar, até o cobrador estava dividindo lugar com mais pessoas. Era sem dúvida um convite a não-entrada. Mas pra quem está esperando a tanto tempo, até o teto do ônibus era cogitável. Contudo 'quem está longe do ponto não pega o ônibus' - e essa não é uma lei de Deus -, e como este passou, continuou e para trás deixou ali, pequenino e indefeso um remorso num coração. Por causa de uma coca-cola? e ainda por cima: 32 minutos de espera e o ônibus passar naquele instante? Era demais! Mas o que fazer além de resignar-se? Afinal, a coca já estava comprada, o ônibus perdido... agora é esperar...
Mas eis que surge, serelepe e faceiro OUTRO 'CDU/Várzea'! Incrivelmente vazio! Ansioso por coletar passageiros! Foi naquele momento que tudo ficou claro. A origem do Universo, a existência da incompetência... tudo, tudo era luz. E a luz dizia: 'Basta apenas esperar'. Quando a Lei Universal afirmava: "Atrás de um CDU/Várzea lotado virá um CDU/Várzea vazio", ela continha implicitamente um "...espere" logo no final. Talvez tivesse até um palavrão depois desse "espere" ...somente para dar mais contundência à solicitação...

Moral da historieta:
Assim são os homens, por quererem sempre chegar logo, tomam o primeiro caminho que lhes aparece. Mas se eles parassem para tomar apenas uma coca-cola, teriam tempo para perceberem a vinda de outros caminhos. Na maioria das vezes, mais confortáveis.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Fevereiro, me perdoe... estive ausente... =/